Há apenas uma ou duas semanas os discursos que ouvíamos em ambiente informal eram no sentido de minimizar a situação. A distância dos eventos permitia ainda um conforto de observador. O sentimento mudou de forma abrupta com o surgimento do vírus em Portugal, com o aumento exponencial do número de casos registados a cada dia, com a notícia das primeiras mortes. São impostas restrições à mobilidade, distanciamento social, quarentena. As mesmas pessoas que deram voz ao cepticismo inicial fazem agora ouvir-se num coro de apelos críticos ao auto isolamento.
Esta aparente mudança de perspectiva dá-nos a oportunidade de aflorar paralelismos entre a visão individual e colectiva do mundo e da sociedade, e a metáfora da Visão fotográfica.
O conceito mais relevante será talvez o de contexto, e os diferentes níveis de enquadramento da questão. Em fotografia, o contexto é criado pela delimitação das quatro linhas do enquadramento, que recolhe uma pequena porção do mundo sensível e a projecta num plano. Os elementos contidos na imagem estabelecem relações que não existiam antes. Este aspecto da natureza fotográfica tem uma expressão dual: por um lado potencia uma leitura abstracta, estética, plástica, por outro é demonstrativo das limitações da fotografia enquanto documento. Pela escolha do ponto de vista, do tempo de exposição, do enquadramento, do plano de foco, da distância focal, o fotógrafo transforma o mundo (ou uma ideia do mundo) em fotografia. Dá ênfase a aspectos particulares do todo, isolando ligações não aparentes, revelando-as, ou cria, pelo seu enquadramento novas ligações, inexistentes no mundo real.
“A photograph has edges, the world does not. The edges separate what is in the picture from what is not. “
Stephen Shore, The Nature of Photographs
Fora da gramática fotográfica, o mundo também divisões, limites, fronteiras. Algumas concretas, físicas, tangíveis, outras convencionais, conceptuais, de percepção ou contexto. A subjugação do mundo perante uma visão numa imposição de ordem, de estrutura não é exclusiva da arte, tão pouco da fotografia. A ciência, a política, a economia, a educação também moldam o mundo, também o distorcem criativamente.