Curtas da Venda Nova, V. Epílogo

V. 

Já falei aqui da Dona Gracinda, dos seus magníficos pasteis de nata, já contei o meu ensaio fonético enquanto estava a seu cargo. Eram pessoas muito generosas e com quem desenvolvemos uma amizade íntima que se estendeu pelas duas ou três décadas subsequentes aos episódios relatados.

Para mim pessoalmente, enquanto criança e adolescente, houve vários estímulos, várias motivações que moldaram a memória que guardo. Em primeiro lugar o sorriso, síntese da generosidade afectiva da família. Em segundo lugar, tudo o resto: a pastelaria, os quartos cheios de livros e brinquedos dos filhos, mais velhos do que eu – o primeiro livro que li foi nesta casa: Os Cinco salvaram o tio, de Enid Blyton – a casa de férias na Lagoa de Albufeira, que gentilmente cediam.   

Nesta minha visita à Venda Nova fiz questão, naturalmente de localizar a casa deles. No restaurante no rés-do-chão do prédio adjacente tive a minha confirmação quando perguntei por eles ao dono: Eles já não estão cá.

Um outra senhora que recordo é a Dona Adelaide, a florista. Tinha a sua loja ao lado da máquina de churros da minha mãe no Pão de Açúcar. Mudou-se depois para uma loja autónoma um pouco mais acima na Estrada de Benfica. Localizei a loja que estava fechada, sem nenhum negócio activo. Falei com algumas pessoas já antigas no bairro que me contaram que a Dona Adelaide e o marido foram vítimas mortais de atropelamento naquela mesma estrada há cerca de 15 anos. Tirei esta fotografia em frente à sua montra. Não sei se a cruz foi ali colocada em sua homenagem mas faço a minha nesta imagem.

Quarenta anos são uma página muito pesada de se virar, indubitavelmente.   

Numa tónica mais leve termino com o relato do encontro muito breve com a São, uma senhora mais nova, na faixa etária da minha mãe, que trabalhava em casa como cabeleireira e que visitámos regularmente durante alguns anos a pretexto dos seus serviços. É claro que eu tinha um fraquinho  secreto pela filha, a Sofia.   

Toquei à campainha. A senhora apareceu à janela mas aparentemente não se reconheceu na história que lhe contei.  

O que quer? Agora não tenho tempo.