Shore, III

“A photograph has edges, the world does not. The edges separate what is in the picture from what is not.”

Stephen Shore, The Nature of Photographs  

Não pretendo aqui desafiar a afirmação de Stephen Shore, apenas propor uma breve reflexão livre sobre o contexto e enquadramento fora da gramática fotográfica.   

Nesse sentido, começo por argumentar que sim, o mundo também tem arestas, que o mundo não é tão redondo e aberto quanto na nossa visão pós Copernicana possa parecer (não desfazendo igualmente da irrefutabilidade da viagem de Magalhães).  

O mundo tem divisões, limites, fronteiras. Algumas concretas, físicas, tangíveis, outras convencionais, conceptuais de percepção ou contexto.  

A visão fotográfica consiste numa projecção do mundo concreto tridimensional num plano bidimensional. Pela escolha do ponto de tomada de vistas, do tempo de exposição, do enquadramento, do plano de foco (acrescentaria: da distância focal), o fotógrafo transforma o mundo (ou uma ideia do mundo) em fotografia. Desta forma dá ênfase a aspectos particulares do todo, isolando ligações não aparentes, revelando-as, ou cria, pelo seu enquadramento novas ligações, inexistentes no mundo real. Dentro dos limites de uma fotografia (talvez pela sua estaticidade, pela forma como nela experimentamos o tempo) todos os elementos se relacionam entre si bem como com os próprios limites.  

Esta natureza particular da Fotografia, o contacto directo com o mundo concreto, o poder transformativo através da câmara, fazem dela um meio singular na afirmação da visão particular  ou individual, e coloca no mesmo plano o mundo onírico e o mundo sensível. O fotógrafo interage com o mundo comparando de forma dialéctica a sua imagem imaginada, o seu pré-conceito, com a sua experiência sensitiva concreta.

Mas a subjugação do mundo perante uma visão, esta imposição de ordem, de estrutura não é exclusiva da arte, tão pouco da fotografia. A ciência, a política, a economia, a educação também moldam o mundo, também o distorcem criativamente.  

Excluindo momentaneamente os aspectos formais (matéria apresentada acima por Stephen Shore) passamos rapidamente para outros paralelismos evidenciados pela linguagem:  

Quão diferente é o trabalho de um arquitecto paisagista ao desenhar um jardim? Ou de um planeador urbano no desenho um novo bairro? Podemos dizer que dentro da fronteira de um país todos os elementos se relacionam entre si bem como com as próprias linhas limite?  

A analogia sugerida vai para além dos equilíbrios estético composicionais inerentes a toda a produção cultural humana. Quantas vezes a nossa visão do mundo é uma projecção bipolarizada à qual falta observação concreta. Sem observação concreta permanente não saímos da nossa imagem mental, não saímos do preconceito. Sem sair do preconceito não nos relacionamos com o que é diferente de nós, não produzimos cultura.

“A mind is like a parachute. It doesn’t work if is not open.”

Frank Zappa  

Tudo na Natureza Humana é delimitado. Desde a linguagem (p. ex. enquadramento social, contexto socio-económico, etc.) ao design (multiplicação de padrões)todo o nosso mundo é um imenso reenquadramento, desde as janelas aos vasos e jardins onde contemos a nossa natureza, da cor da pele, à língua ou à idade que nos separa.